Época Negócios entrevista o professor Vicente Falconi.
Entrevista com Prof. Vicente Falconi, sócio-fundador da FALCONI
Texto de Pedro Carvalho (Época Negócios) –
“O que falta ao país é planejamento”, diz Vicente Falconi
O celebrado consultor de empresas fala sobre corrupção,
ineficiência no setor público e de como a “receita Ambev” poderia ajudar o
governo.
Vicente Falconi, 75 anos, é um dos mais influentes
consultores de empresas do país. Foi o idealizador da chamada cultura Ambev
(que ele prefere chamar de cultura Falconi), marcada pela obsessão com as metas
e a meritocracia. Replicou o modelo em várias corporações, como o Itaú e a
Gerdau, e nos últimos 15 anos levou a experiência para o setor público. Falconi
gosta de dizer que promoveu “choques de gestão” em prefeituras, governos e
administrações federais, numa lista que vai de Aécio Neves (em Minas) até Lula
e Dilma. Aqui, ele aponta caminhos para tornar mais eficientes os serviços
públicos.
Por que o setor público tem tanta dificuldade para se tornar
mais eficiente?
Algumas organizações, como a Polícia Federal, estão muito
bem. Nós trabalhamos com eles no governo Lula, sabemos que a atitude ali é boa.
O mesmo ocorre com instituições como o Ministério Público e o Banco Central.
Outras, como o Ministério da Saúde, não vão bem. Porque não têm departamento de
RH, por exemplo. Não têm seleção, avaliação, treinamento, carreira estruturada.
O Ministério da Saúde tem um giro de pessoal muito grande, a turma faz concurso
para entrar e depois fica de olho para passar em outro lugar, porque aquilo lá
não é futuro para ninguém. Futuro é estar na PF, no BC. Eu escrevi três cartas
para a presidente, logo após as eleições, para falar dessas coisas.
Ela respondeu?
Não, pô. Ela recebeu umas 500 mil cartas. O problema maior é
que nosso país não tem um planejamento. O que falta é um planejamento de 50
anos: a que taxa queremos crescer, o que isso vai demandar em energia e
capital, como a população vai variar de idade.
O senhor fez um plano para melhorar a gestão do Ministério
da Saúde. O que deu errado?
Foi o seguinte. O Gerdau [Jorge, empresário] me levou para
um almoço com a presidente, em 2011. Foi um papo muito bom. E ela falou muito
sobre saúde. Então eu disse: vamos investir nisso, desenhar um sistema de
saúde. Gastamos R$ 1 milhão para fazer o projeto. Fomos ao ministério e
apresentamos a proposta. A ideia era treinar 300 servidores para atacar um dos
grandes problemas: a gestão de hospitais públicos. O foco seriam duas coisas.
Primeiro, fazer uma filtragem na entrada. O paciente precisa ser internado ou
não? Se não precisa, vai para um posto de atendimento, toma um remédio e volta
para casa. Iríamos criar um indicador de ritmo de internação. Uma vez
internado, a gente faria outro indicador, do tempo médio de permanência. Hoje,
ele gira em torno de 15 dias. Nos hospitais particulares, fica próximo a três
dias. Se você pegar os hospitais públicos e reduzir o índice à metade, para 7,5
dias, seria como dobrar a capacidade de atendimento. É como construir os
hospitais de novo, a custo zero. E nós decidimos trabalhar a preço de custo,
para ajudar o país. Mas eles não toparam.
Onde emperrou?
Podem ter pensado: “esse Falconi é do PSDB, gosta de
trabalhar com o Aécio”. É difícil entrar na cabeça das pessoas. Foi um “não,
obrigado”.
A gestão de um país não é diferente da gestão de uma
empresa, por envolver temas mais sensíveis?
Isso é conversa fiada. Do ponto de vista gerencial é
exatamente a mesma coisa que uma empresa. É só colocar o objetivo certo: não é
dar lucro, é servir. Quais são os indicadores? Qual é a meta? Se não atingi-la,
quem é o responsável? A educação está melhor do que a saúde por um simples
motivo: foram criados o Ideb e o Enem e ainda tem um indicador internacional, o
Pisa. Quando existe indicador, você pode avaliar, colocar meta. Tudo isso o
Ministério da Educação tem. Você pode até reclamar da educação, mas não pode
falar que ela não está melhorando, porque está, sem dúvida.
Em conversas reservadas, Jorge Paulo Lemann afirma que, se
colocassem o pessoal da Ambev no governo, a gestão melhoraria. Falta mais Ambev
nos serviços públicos?
Todo mundo pode ter mentalidade Ambev, Klabin, Suzano, tem
várias empresas boas no Brasil. O que elas têm? Um departamento de RH, que
recruta pessoas adequadas, faz treinamento intenso, avalia, promove os
melhores. São coisas básicas, que a área pública não tem. A Polícia Federal
tem. O Banco Central tem. Eu acho que a Polícia Federal é Ambev, o BC é Ambev.
Acredito que ele tenha usado essa expressão para dizer o seguinte: se você
treinar as pessoas e usar a meritocracia, aquilo vira uma máquina de produzir
resultado.
A meritocracia da Ambev…
Pois é, todo mundo fala de Ambev… A Ambev usa o sistema da
FALCONI. Várias empresas adotaram o modelo. Acho que o setor privado brasileiro
vai muito bem, obrigado.
Algumas empresas não vão tão bem.
Vou te contar. A gente, que é velho, já passou por muita coisa.
Eu comecei a pesquisar sobre gestão na década de 70. Encontrei normas
canadenses de qualidade e comecei a me aprofundar. Foi dali que surgiu tudo o
que somos hoje. Comecei a escrever livros. Entre 1989 e 1996, escrevi seis, que
venderam mais de 1 milhão de exemplares. Muitas das terminologias fui eu que
criei. Então se formou no Brasil uma cultura gerencial. O padrão do gerente
brasileiro subiu muito. Muito.
A contribuição desse trabalho é inegável, mas existem
críticas. Ouve-se que na Ambev, por exemplo, há uma excessiva pressão para
atingir metas. O que o senhor pensa disso?
Olha, eu não sei de que pressão estão falando. Porque fala
quem não entende. Não existe guerra, pressão, esse negócio de “ai, tô
sofrendo”. Todas as metas são negociadas, em cada estágio. O processo de correr
atrás de meta, na verdade, é um processo de correr atrás de conhecimento. Sabe
por que o profissional da Ambev é valorizado no mercado? Porque é competente.
A crise ética no país, agravada pelos problemas na Petrobras
e nas empreiteiras, pode deixar a percepção de que as empresas daqui são mais
corruptas do que a média. O senhor presta consultoria em vários países. Essa
percepção se justifica?
Eu não tenho essa medida. Nunca vi isso explícito entre
nossos clientes. Desvios éticos, no longo prazo, não valem a pena para uma
empresa.
Mas estão no noticiário todos os dias.
Talvez em alguns setores, mas não é um negócio generalizado.
O senhor pensa em assumir um cargo público depois de se
aposentar?
Não. Eu vou sair da empresa com quase 80 anos. Mas não vou,
necessariamente, deixar a atividade. Enquanto estiver andando e respirando, vou
ajudar, desde que seja requisitado. E é provável que me chamem. Sou muito
querido pelos consultores.
Texto publicado na edição de janeiro de 2016 da revista
Época Negócios.
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